segunda-feira, 15 de setembro de 2008

SATÃ

Certa vez existiu um garoto chamado Satã. Ele era feio, magro, branco, tinha mau- hálito, olheiras, lobrigas, herpes e papo de maluco. Por conseqüência, Satã era uma figura a ser evitada por colegas e professores. Até mesmo a mãe e os irmãos não gostavam muito dele, sendo, o pai, única pessoa no mundo a lhe dedicar apreço e afeto. Mas esse foi atropelado e morto no dia em que Satã completou dez anos de idade, então o pai não contava.Nesse ambiente de total exclusão afetiva e social, Satã foi levando sua vidinha, esforçando-se sempre para ser bom e amável. Tudo isso inutilmente, é claro, pois não havia jeito daquelas pessoas gostarem mesmo dele. Dessa forma então, sem amor e sem sorte, Satã cresceu.Mas um dia, após ter sido desprezado pela centésima mulher por quem se apaixonara, e de ter sido recusado em mais uma entrevista de emprego, Satã decidiu que iria se vingar de tudo que Deus lhe fez. Faria jus ao nome que recebeu, Satã, e pensou com frieza num plano, por toda uma madrugada fria e insone — pois de um tempo para cá dormia pouco e mal, queria morrer, mas querer morrer não significa poder morrer — Pela manhã já sabia o que fazer:“Não tenho nada por que sou feio, sou uma aberração. Vou ser o mal!”.Saiu da cama e jogou todo o lixo do banheiro no meio da sala. Saiu também às ruas e resolveu forçar uma garota a beijá-lo. E a beijou. Quebrou alguns telefones públicos. Experimentava, embora hesitante, um novo jeito de ser.Quando o professor disse para ele estudar mais, avisou que aquilo não faria diferença, pois toda a escola ria dele por ele ter chifres! O professor, por ser muito sensível, chamou o rapaz na Coordenação e disse: “Meu jovem, o belo e o feio, o bem e o mal, o melhor e o pior, são conceitos criados para separar as pessoas em grupos e distanciá-las. Você não precisa acreditar em nada dessas coisas!”. Satã pensou: “Por que ele quer me ajudar?” Mas logo lhe veio a resposta. Colocou um sorriso no rosto e percebeu que o pai o amou porque viu o invisível nele. Assim como o professor. Será que os outros também um dia veriam além da sua aberração? Foi então que ele resolveu de vez a não ser o melhor amigo, a não ser o melhor filho, a não ser gentil com as mulheres. Começou a ser Satã. Com este novo Satã ninguém mais teria paz, mas sim atritos, confusão, mudanças. E ninguém ali queria mudanças! Mas uma parte dele alimentava o sonho de ainda ter o amor de sua mãe. A mãe teria que enxergar, aí todos enxergariam.Acordou, e como sempre os irmãos pensaram: “Lá vêm a aberração implorar amor”. A mãe, que ainda acreditava poder comandá-lo, ordenou: “Tira o lixo!” Ele riu, jogou o lixo do banheiro no meio da sala novamente para todos vissem quem tinha feito aquilo da outra vez, vestiu um cachecol que ganhara do pai e falou: “Não sou seu serviçal! Sou belo, você não vê, mas é você a pessoa feia aqui! Ficará sozinha, sou um novo rapaz. Sou precioso!”. E seguiu sua vida, sendo ausente para com todos aqueles que esperavam a ajuda e o amor dele. Foi na ausência que as pessoas começaram a enxergar.Satã, aos poucos, assim como Homem Elefante, fez de sua alma tão bela e sua natureza interior tão rica e sábia, que sua aura passou a brilhar no escuro! Até que um dia, saltou pela última vez da sua cama, espreguiçou-se, vestiu sua melhor roupa e foi viver feliz, bem longe dali, sabendo que vivemos entre duas eternas forças. Atitude nem sempre é ação, feiúra nem sempre é feiúra. Nem tudo é o que parece. Um dia todos entenderão isto: a beleza das contradições, dos encontros e desencontros, a preciosidade da vida.Ele, graças ao seu amigo professor, aprendeu o significado da palavra paradoxo.

(Por Vítor Souza e Cris Poulain)